Por: Monja Coen | Foto: Nicholas Kamm/AFP
Publicado em 04/2011, revista Viagem e Turismo
Publicado em 04/2011, revista Viagem e Turismo
Morei no Japão de 1983 a 1995, e lá realizei meu treinamento monástico na tradição Soto do zen-budismo. Quando voltei ao Brasil, me incumbi da difícil missão de transmitir o que mais me impressionou no povo japonês: kokoro.
Kokoro significa algo como coração-mente-essência. Aprender a sair de nossas necessidades para nos colocar à disposição dos demais. Desde o berço qualquer criança japonesa é treinada para desenvolver essa sensibilidade. O todo está em primeiro lugar. Outra palavra que aprendi foigaman – aguentar, suportar. No sentido de que devemos passar por dificuldades e superá-las. Os eventos do mês passado no Japão surpreenderam o mundo tanto pela violência das catástrofes como pela disciplina e paciência e pelo respeito que as vítimas demonstraram. Não furar fila, mas esperar a vez para conseguir comida ou usar o telefone.
Sumimasen – Desculpe – é outra palavra-chave. Certa vez, num voo do Japão aos Estados Unidos, testemunhei um casal americano que, ao ver outras pessoas em seus assentos, brandiu suas passagens e exigiu que saíssem dali. Minutos depois chegou um casal de japoneses que parou em outra fileira onde os assentos também estavam ocupados. Eles olharam seus bilhetes, a numeração das cadeiras e gentilmente perguntaram: “Sumimasen, será que nos enganamos?”
Aprendemos com essa tragédia que a vida é transitória e que o planeta tem seu próprio movimento. Ocupamos a superfície, a casquinha mais fina. Os movimentos das placas tectônicas não têm a ver com sentimentos humanos ou castigos. Com os japoneses, aprendemos que a solidariedade leva à ordem, que a paciência leva à tranquilidade e que o sofrimento compartilhado leva à reconstrução.
Perguntaram-me se eu conhecia pessoas na tragédia. “Todas”, respondi. Foi com elas que aprendi a orar, a ter fé, paciência, persistência. Aprendi a cultivar o kokoro, a ser capaz de um pouco de gaman e de dizer sumimasen.
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